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“Vocação e sentido da vida”, por Lindolfo Alexandre de Souza

O processo vocacional, visto dessa forma, não se reduz à escolha pelo caminho que será seguido, mas acontece antes da escolha, durante e depois dela.

22/02/2023

Sempre que sou chamado a falar ou escrever sobre vocação, é impossível não fazer memória a um episódio que marcou minha vida por alguns anos. Tinha cerca de 15 anos e participei de uma palestra sobre vocação em minha paróquia, não sei se na Crisma ou um pouco depois, no Grupo de Jovens. Hoje, ao olhar para aquela experiência, tenho certeza de que o ruído na comunicação foi por falha minha, um receptor inexperiente que não soube decodificar a mensagem de forma adequada, e não por dificuldade do emissor, aliás, um dedicado e zeloso agente de pastoral.

Lembro que a palestra começou pela etimologia da palavra vocação. E, então, fez-se alusão aos termos vox, vocis, vocare, em latim, que trazem as ideias de voz e de chamado. Ao final, a conclusão foi que Deus, ao criar cada ser humano, o chama para assumir um estado de vida e, nele, desempenhar ações de serviço às pessoas, à Igreja e à sociedade. Parecia que estava tudo bem, mas em minha cabeça ficou uma ideia – equivocada – de que o chamado de Deus se dá no particípio, portanto, de forma estática: um chamado! Como se Deus chamasse uma única vez, escutasse uma resposta positiva, enviasse em missão e pronto. Isso me causava certo desconforto. E se eu não ouvisse direito o que Deus me pedia? E se minha resposta não fosse adequada? Tinha apenas uma única chance?

Alguns anos depois fui entender que poderia pensar na vocação não pelo particípio, mas pelo gerúndio. Ao substituir “chamado” por “chamando”, percebi que seria possível pensar a vocação como um diálogo amoroso de Deus com cada um de seus filhos e suas filhas, num processo que vai acontecendo ao longo da vida, inclusive depois de uma decisão um tanto mais “definitiva”, que é a escolha por um estado de vida. Dessa forma, Deus se aproxima do ser humano; caminha junto; diz o que tem a dizer; ouve com atenção; acolhe as dúvidas, o medo e o entusiasmo; volta a propor, lança novos desafios…

O processo vocacional, visto dessa forma, não se reduz à escolha pelo caminho que será seguido – casar ou ficar solteiro; assumir a vida religiosa, sacerdotal ou permanecer no estado laical – mas acontece antes da escolha, durante e depois dela. Parece-me que dessa forma é possível ler o texto-base para o 3º Ano Vocacional do Brasil, que tem como tema “Vocação: Graça e Missão”, e como lema “Corações ardentes, pés a caminho”. Logo no primeiro parágrafo, ao fazer menção ao tema e ao lema, inspirado no trecho do evangelho de Lucas 24, 32-33, que trata do encontro de Jesus com os discípulos de Emaús, o texto apresenta a seguinte explicação: “Enquanto a Graça faz o coração arder, a Missão faz os pés estarem a caminho, em movimento. Entre o coração que arde ao escutar a Palavra do Ressuscitado e os pés que se colocam a caminho para anunciar o encontro com o Cristo, temos a parada, o sentar-se à mesa, o pão repartido, a partilha, a comunhão, um gesto fundamental que faz os olhos se abrirem” (Texto-base, nº 1).

Assim, cada pessoa é convidada a fazer a sua própria experiência de Emaús, buscando um contato com Jesus por meio da participação na sua comunidade de fé, da frequência aos sacramentos, da prática da caridade e do cultivo a uma vida de oração. Nessa experiência de chamado de Deus que deixa o coração ardente, a vocação continua acontecendo por meio de respostas que colocam os pés a caminho.

É interessante pensar que essa experiência de ter que escolher um caminho a seguir é exclusividade do ser humano. Um animal irracional – um cachorro ou um gato – não vive essa dimensão, pois o instinto biológico já lhe dá as “respostas” necessárias para viver. À mulher e ao homem, porém, não basta simplesmente viver, precisam fazer escolhas que deem sentido à vida. Em um livro muito interessante, o teólogo Jung Mo Sung desenvolve essa ideia. “O sentido da vida, como todo sentido, é mais uma direção que um ponto de chegada. É como um horizonte que nos abre o futuro e nos dá um rumo, um senso de direção que nos possibilita encontrar significado e valor das coisas” (SUNG, 2007, p. 18)[1].

Se Jung Mo Sung associa sentido da vida às palavras direção, ponto de chegada, rumo, horizonte, significado e valor das coisas, como é bom poder dizer que para nós – cristãs e cristãos – tudo isso e muito mais não está em uma ideia ou em um conceito teórico ou abstrato, mas na experiência de contato pessoal com Jesus Cristo. Assim, ao viver a caminhada vocacional, cada pessoa é chamada a aproximar-se de Jesus de tal forma que seus olhos se abram e ela consiga reconhecê-Lo (Lc 24, 32), de tal forma que sua vida se mostre repleta de sentido. É no encontro vocacional com Jesus, portanto, que a nossa vida tem sentido.

 

Reprodução integral do texto de autoria de Lindolfo Alexandre de Souza, para o hotsite “Ano Vocacional” da CNBB

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