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Negritude no Brasil | Pe Victor

Assumir-se negro/a no Brasil é uma das condições mais complicadas para exercer a plena cidadania. E quem assume a sua negritude deverá também assumir os riscos que isso acarreta. O leitor inicialmente poderá até contestar esta minha argumentação, dizendo que as oportunidades hoje são iguais para todos, mas se for adiante e se debruçar de […]

7/12/2012

Assumir-se negro/a no Brasil é uma das condições mais complicadas para exercer a plena cidadania. E quem assume a sua negritude deverá também assumir os riscos que isso acarreta.

O leitor inicialmente poderá até contestar esta minha argumentação, dizendo que as oportunidades hoje são iguais para todos, mas se for adiante e se debruçar de forma responsável sobre os dados de desigualdades e discriminação no Brasil, perceberá que a realidade da população negra é ainda hoje extremamente perversa. Basta olharmos ao redor para ver quem são os menos favorecidos, ou os que se submetem a subempregos ou mesmo se sujeitam a empregos com rendimentos pífios.

A libertação da escravatura promulgada no papel pela princesa Isabel em 13 de Maio de 1888, não trouxe o ressarcimento de anos a fio de exploração. A Lei Áurea deu aos Negros a liberdade, mas não lhes conferiu uma indenização digna por parte da sociedade.  O Estado brasileiro não se preocupou em oferecer condições para que os ex-escravos pudessem ser integrados no mercado de trabalho formal e assalariado, conforme apontam estudo sobre o branqueamento do Brasil. Muitos setores da elite brasileira continuaram com o preconceito. Prova disso, foi a preferência pela mão-de-obra europeia, que aumentou muito no Brasil após a Abolição. A maioria dos negros encontrou grandes dificuldades para conseguir colocação no mercado de trabalho e manter uma vida com o mínimo de condições necessárias (moradia e principalmente educação).

Os negros são grande maioria de nossa população; entretanto, eles não têm ainda a maioria das oportunidades existentes em nossa sociedade. Se observarmos os bancos das faculdades perceberemos o reduzido número de negros que têm acesso à academia. Na Igreja isso não é diferente, são poucos o que assumem a radicalidade do sacerdócio, num passado não muito distante, para ser padre na Igreja católica era preciso “ter boa aparência” e até hoje precisam conviver com o preconceito e a discriminação em relação às religiões de matriz africana.

Estudo do Ipea intitulado ‘Retrato das Desigualdades de gênero e raça’, aponta que no Brasil “os negros são grande maioria entre os mais pobres, estão nas posições mais precárias do mercado de trabalho e possuem os menores índices de educação formal”. 69% dos domicílios que recebem Bolsa Família, 60% dos que recebem Benefício de Prestação Continuada e 68% dos que participam do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil são chefiados por negros, evidência de que estão entre os mais pobres do país. Negros(as) são majoritariamente SUS-dependentes; entram mais cedo no mercado de trabalho, trabalham mais tempo durante a vida, recebem os menores salários e apresentam os maiores índices de desemprego. O trabalho doméstico remunerado é majoritariamente exercido por mulheres negras. Domicílios chefiados por negros apresentam piores condições quanto a qualidade da habitação e saneamento básico.

Na verdade, os países hoje chamados desenvolvidos, descobriram que para uma nação ser considerada como tal, precisa o máximo possível, diminuir as diferenças existentes entre as classes sociais. Nesse sentido, a adoção de cotas raciais não é uma invenção brasileira, países como os Estados Unidos e a África do Sul aumentaram as chances de os negros entrarem no ensino superior também dessa forma. Foi no ano 2000 que as cotas começaram a ser implementadas por aqui. De lá pra cá, muitos ressaltam esta como primeira ação efetiva do Estado na tentativa de incluir a população negra no ensino universitário. Essa pode ser uma alternativa temporária na expectativa de que o ensino público brasileiro forme alunos capazes de disputar as vagas de igual por igual com estudantes das escolas particulares.

Supremo Tribunal Federal aprovou, no passado 26 de outubro, a política de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras. A decisão foi por unanimidade e vale para todas as universidades públicas que já usam ou pretendem implantar o sistema. Na Universidade de Brasília, 20% das vagas do vestibular são para a cota de negros. Esses candidatos concorrem entre si.

Isso, porém, não isentam os principais responsáveis de providenciar boas escolas com bons professores nas comunidades carentes dando capacitação de fato para essas pessoas entrar na Universidade com base e em condições para enfrentar um curso superior.

Nosso país, por mais que muitos digam que seja o de maior miscigenação e onde mais ocorre a mistura de etnias, a discriminação ainda é muito grande. A maior parte dos prisioneiros e crianças de rua é negra. Sem contar, que são esses sempre os primeiros suspeitos nas “blitz” policiais. Todos os tipos de segregação são odiosos, mas o que existe no Brasil é um dos piores que existe, a discriminação velada, camuflada, encoberta, dissimulada e oculta.

A sociedade norte-americana, que elegeu Barack Obama presidente, a seu tempo e a seu modo está se confrontando com o violento conflito racial que sempre a caracterizou. Enquanto isso, no Brasil do ‘racismo cordial’ ações afirmativas são frequentemente questionadas e até as leis que inibem a discriminação e o preconceito são sutilmente descumpridas.

Quando observados dados do IBGE de 2010 o fato fica mais evidente: os salários médios no Brasil variam muito de acordo com a auto declaração de raça. Dentre as pessoas ocupadas no Brasil em 2010 os amarelos e os brancos detiveram salários médios 37,6% e 26,9% acima da média. Os pardos, negros e indígenas receberam salários 29%, 31,3% e 36% abaixo da média nacional.

Felizes aqueles que descobrem, apesar da dureza do preconceito, a importância de assumir sua negritude; de assumir o seu cabelo crespo, que descobrem e valorizam a beleza da cor de sua pele, que descobrem a riqueza de se vivenciar a cultura de nossa terra-mãe de todos, a África.

Por isso, a celebração da Consciência negra não se reduz a etnia negra, mas pode envolver todas outras. Nesse sentido, entre suas diversas pastorais da Igreja, temos uma que se destaca quando nos referimos à Negritude: a Pastoral do Negro. Ela busca animar os grupos negros católicos existentes; incentiva o surgimento de novos grupos que buscam afirmar sua identidade numa sociedade e Igreja plurais; busca dar continuidade à rica experiência e reflexão pastoral nas comunidades afro-brasileiras, para efetivar a superação de todos os preconceitos, discriminações, reconhecendo os valores religiosos da cultura africana, além de despertar vocações dentro da espiritualidade e mística afro-brasileira.

Assim sendo, termino este breve artigo com uma bela frase de um negro lutador da Liberdade e dos Direitos dos povos da África Negra, Nelson Mandela, advogado e ex-presidente da África do Sul de 1994 a 1999. Considerado como o mais importante líder da África e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1993 que dedicou 67 anos de sua vida a serviço da humanidade como advogado dos Direitos Humanos: “A Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria é uma concha vazia”! Hoje, é uma data emblemática, pois foi num 20 de Novembro que Zumbi dos Palmares preferiu tombar lutando no quilombo da liberdade a ser consumido pelo engenho da economia açucareira da época. Por isso, 20 de Novembro é memória de resistência e convite à reflexão.

 Victor Silva Almeida Filho

Vigário paroquial do Divino Salvador

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